sexta-feira, 28 de junho de 2013

Aventuras Gastronômicas em Salvador IV - a batalha do sarapatel

Tenho uma curiosidade gastronômica ímpar: apesar de procurar manter uma alimentação regrada, não perco a oportunidade de provar algum prato que até então não conhecia. E as viagens são oportunidades incríveis para satisfazer a minha fome pelo diferente.

Em nossa última noite em Salvador visitamos uma pequena feira de São João, perto do Farol da Barra: diversas barraquinhas ofereciam artesanato e pratos típicos, como tapioca, bolo de milho e quentão, algumas mesas para o pessoal sentar e comer, e um espaço para se dançar o forró que um trio de esforçados músicos tocava. Uma noite agradável para finalizar nossa lua de mel: conversar, comer, ver os outros também se divertindo, essas coisas bacanas de se fazer quando se está de férias.




 Após alguns minutos, meu olhar atento mirou uma barraquinha ao fundo, onde num cartaz escrito à mão lia-se SARAPATEL. Um nome forte, sugestivo, mais do que suficiente para atiçar minha curiosidade. Vou até lá e pergunto para senhora que estava atendendo o que era esse tal de sarapatel. Ela nada respondeu, creio mais por estar entretida com outros afazeres do que por antipatia, mas de pronto levantou a tampa de uma enorme panela sobre o fogo. Vi um caldo escuro e espesso, borbulhando lentamente. Tão logo a panela foi aberta, uma enorme bolha do ensopado estourou, e fui fuzilado pelo odor nauseante de morcilha velha.

Foi horrível. Não me recordo, mas acho que retrocedi um ou dois passos. Agradeci sorrindo e voltei para nossa mesa, moralmente zonzo.

Inebriado por aquele odor a martelar meu olfato, fiquei pensativo. Comi uma tapioca, provei o quentão, mas o tal do sarapatel não saia da minha cabeça, e muito menos das minhas narinas. Minha esposa percebeu minha inquietação, pois com frequência eu voltava os olhos para a barraquinha. Será que minha curiosidade gastronômica não seria saciada e retornaria ao sul sem provar o dito cujo? Será que eu seria derrotado por um aquele prato?

Imagina a festa!

O forró  já não me animava mais e sentia que com essa minha atitude covarde eu corria o risco de estragar nossa noite. Não, de modo algum eu seria mais fraco que um ensopado qualquer, nosso último dia de férias não seria arruinado por causa de um cozido fétido. Assim como Rocky Balboa, encontrei forças para me levantar e ir ao encontro do "adversário" que me nocauteara. "Vou querer um sarapatel", disse à senhora, que talvez percebendo estar diante não de um trivial ato de alimentação mas sim de um quase Armagedon, literalmente adicionou mais uma dose de emoção ao embate: "vou servir duas porções pelo preço de uma".

Recebi um prato de plástico cheio de um ensopado denso, talvez o suficiente para ser usado como lastro em uma caravela. Claro que o odor permanecia o mesmo, não iria melhorar e muito menos teria o que piorar, mas minha disposição fez com que conseguisse suportá-lo. Voltei à nossa mesa, sob o olhar de espanto de minha esposa: "tudo isso?", ela reclamou. Mas acho que estava com pena de mim, talvez sabendo que o pior estava por vir.

Agora já não havia como retroceder: era sarapatel x Germano, e só haveria um vencedor.

Na primeira colherada constatei que o sabor era condizente com o aroma, com um forte realce da gordura. Um golpe pesado, mas suportável numa luta que recém iniciara. Mas a segunda e tão logo a terceira colheradas foram avassaladoras e fulminantes, como dois diretos no queixo. Tomado de fraqueza e envergonhado pelo fracasso, afastei o prato da minha frente sob o olhar de reprovação da minha esposa, não pela derrota mas sim por ter insistido no desafio. 

Perdi, mas perdi lutando, de cabeça erguida.  Não me achiquei, fui derrotado mas por um adversário mais forte do que eu. Mas mesmo assim foi uma derrota. Hoje eu penso que havia algo de errado naquele sarapatel, talvez ingredientes mal selecionados, ou quem sabe fosse o que sobrara da noite anterior, esperando por algum turista desavisado e corajoso. E quem sabe, se o aspecto for um pouco melhor, eu até encare novamente o desafio. Não está descartada a hipótese de uma revanche.



sexta-feira, 14 de junho de 2013

Breves reflexões pós-férias. Ou: conselhos que eu gostaria de ter recebido antes.

- Viaje com malas grandes: se você ficou feliz por ter conseguido colocar tudo o que vai precisar enquanto estiver fora em uma mala pequena, saiba que terá dificuldades para fechá-la na volta. Além de fotos e boas lembranças, é normal trazermos para casa algo que vamos comprando pelo caminho: algum(s) vinho(s) da região, uma comida diferente que encontramos no supermercado, um objeto de decoração, uma lembrança, ou mesmo alguma roupa, isso sem falar que as que levamos de casa inexplicavelmente costumam ocupar mais espaço na volta do que ida. Não precisa ser uma mala gigante, mas que tenha algum espaço sobrando já na ida. Malas maiores são piores para serem carregadas, mas isso acontecerá apenas em alguns momentos, normalmente do aeroporto/estação para o hotel. A maior parte do tempo elas ficam paradinhas no quarto.

- Tenha sempre uma quantidade razoável de dinheiro na carteira: claro que a imensa maioria dos lugares aceita cartões, mas o bom e velho papel moeda pode quebrar grandes galhos. De que adianta ter um passe com o qual você pode ir até o aeroporto se os metroviários resolverem entrar em greve? Sair por aí procurando um caixa eletrônica para sacar uma grana não é nada divertido.

- Alugar um carro é uma opção logística e não de economia: vale a pena se vocês inventar um roteiro mirabolante, inexequível de outra maneira. Não esqueça que além de combustível, pedágios e do próprio aluguel, haverá outras despesas como o estacionamento e, muito provavelmente, alguma multa. Além do quê, dirigir 300, 500 ou 700 Km durante um dia é cansativo pra caramba.

- Se alugou um carro, não exagere: não programe longas viagens e nem queira conhecer muitos lugares em um único dia. É difícil estabelecer uma regra, mas acho que 400 Km, visitando dois lugares diferentes nesse trajeto é o limite tolerável.

- As distâncias entre cidades aferidas por mapas ou pelo Google Maps são apenas uma referência: lembre-se de que estará dirigindo numa cidade que provavelmente não conhece, que talvez enfrente um trânsito mais pesado até chegar à rodovia, que nos trechos urbanos que irá percorrer sua média despencará e que ao final você ainda precisará abastecer o carro e ir até a locadora (caso vá entregar o carro) ou hotel. Se o seu destino fica a 300 Km do seu ponto de partida, em hipótese alguma você chegará lá em apenas 3 horas e pouquinho.

- Uma paradinha sempre vai roubar tempo: você vai ter que chegar ao local, procurar um estacionamento, estacionar, encontrar aquilo que procurava, olhar, tirar umas fotos, talvez comer algo, voltar para o estacionamento, pagar e daí retornar à estrada. Nesses momentos o relógio passa muito mais rápido do que gostaríamos, esqueça aquela história de "vai me tomar apenas meia horinha".

- Não engorde seu roteiro: você já terá pouco tempo para ver o que tinha programado, ter que dividir seu curto tempo disponível com mais uma parada deve ser muito bem avaliado e apenas feito se for algo realmente imperdível.

- Nunca cronometre seu passeio: como já disse o Ricardo Freire, do Viaje na Viagem, o melhor das férias são as surpresas (ou algo nesse sentido). E também porque não vai dar certo mesmo, o local onde você imaginou que almoçaria provavelmente estará a mais de 100 Km de distância quando a fome apertar.

- Fique atento aos horários das atrações: talvez você não possa conhecer uma igreja por chegar justamente durante a missa, ou um museu que está fechado justamente naquele dia da semana. E em uma viagem dificilmente é possível "voltar amanhã".

- O GPS é uma das melhores invenções do mundo, mas nunca dispense um mapa do percurso, para saber quais rodovias deverá percorrer ou por quais cidades irá passar até chegar ao destino.

- Informe-se a respeito de outros lugares para se entregar o carro ao final da locação: pergunte se é possível deixá-lo no aeroporto ou em outro lugar onde o escritório permanece aberto por mais tempo, ou se há algum lugar para deixar apenas a chave depois do escritório estar fechado. Se o local onde você ficou de deixar o carro fecha às 19:00 e se seu aluguel vence apenas na manhã seguinte, não estrague seu passeio correndo feito um louco para chegar a tempo. Normalmente é possível entregar o carro em outro local, como nos aeroportos, onde os horários das locadoras são mais flexíveis.

- Ao final de uma viagem com o carro alugado, procure abastecer ao chegar na cidade. Se o local combinado para a entrega do veículo fica no centro de uma grande cidade, as vezes é mais difícil de se encontrar um posto de combustível por lá, o que irá obrigá-lo a perder um bom tempo procurando por um.

- A partir do terceiro, todo castelo, catedral gótica, cidade murada ou vila medieval são todos iguais. Ao menos que vocês seja um especialista ou fanático pelo assunto, atrações semelhantes começam a saturar e a sensação de déjà vu passa a ser inevitável. Não visite cidades com perfis parecidos em pequenos intervalos de tempo e não receie em eliminar algumas da lista. Seu passeio não será menos divertido se você deixar de conhecer a cidade com as muralhas mais bem preservadas ou não tiver a chance de procurar a escultura de uma rã na fachada de uma universidade. Evite a overdose, ela pode ser letal para suas férias.
- Tenha um cartão exclusivo para a função DÉBITO: é muito frustrante fazer compras no exterior escolhendo a função débito e ao chegar em casa descobrir em sua fatura que todas as transações foram feitas com se fossem no crédito, ou seja, com um pesado acréscimo de 6,38% de IOF.

- Alguns passes lhe dão o direito de ser preguiçoso: se você quer mesmo fazer render seu passe diário, evite caminhadas desnecessárias e use o transporte público até para pequenos trechos.

- Guarde sempre o recibo de suas compras: com ele você poderá provar que comprou mesmo o maldito ingresso que você perdeu;
- Sempre quis escrever um texto com OU no título: consegui.
- Classifico as férias em dois tipos: para se descansar e para conhecer algo. É normal que queiramos ver o máximo de atrações nas raras oportunidades que temos de visitar certos lugares. Mas calma, fazer uma correria somente para dizer que esteve em tal lugar pode não valer a pena. Aproveite seu período de folga, conheça lugares bacanas, mas sem sacrifícios. Caso contrário vai chegar em casa precisando de férias.
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