sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O coração do Padre Roque Gonzales

Um único golpe certeiro na cabeça foi o suficiente. Abatido à traição, pelas costas, a vítima nem pôde ver o índio que desferira o golpe mortal com uma machadinha de pedra, a mando do cacique Nheçu. Terminava assim a história do padre Roque Gonzales de Santa Cruz. Apesar de morto, seus algozes ainda rasgaram-lhe o peito para remover o coração que já não pulsava mais. Mas para o espanto de todos, daquele músculo ensaguentado saiu uma voz que disse: "Matastes a quem tanto vos amava e queria. Matastes, porém, só o meu corpo, porque minha alma está no Céu!". Tanto por assombro quanto por irritação, os assassinos trespassaram o coração com uma flecha e queimaram-no, assim como o corpo do religioso, a pequena capela agora destruída e os demais apetrechos litúrgico. Queriam não apenas eliminá-lo fisicamente, mas também a mensagem que ele trouxera.
Não conseguiram: tanto a mensagem persistiu entre os índios, que se revoltaram contra Nheçu, quanto o coração do Pe. Roque não foi destruído pelas chamas e pela raiva de seus algozes, que também mataram os padres Afonso Rodrigues, que estava junto com o Roque Gonzales, e Juan de Castillos, este na redução de Assunção do Ijuí. Os três foram canonizados em 1988 pelo então papa João Paulo II.
A relíquia encontra-se aos cuidados dos Jesuítas do Paraguai. Em ocasiões solenes, a peça é levada a outros locais de culto, como aconteceu em 2010, durante a Romaria ao Santuário do Caaró, local do martírio. Por causa de uma alterção no programa original, não consegui chegar ao local a tempo de vê-lo, pois ele fora levado a Santa Maria um dia antes do previsto. Uma pena.
Mas como sabia que o coração era guardado no Paraguai, e como eu visitaria o país no início do ano seguinte, resolvi tentar descobrir a sua localização para assim poder visitá-lo, apesar de já tê-lo visto nos anos 80, quando ele fora trazido a Cerro Largo.
Através de um contato com a Província Brasil Meridional do Jesuítas, descobri que a relíquia está em Asunción, terra natal do santo, na Igreja de Cristo Rei, aos cuidados da comunidade jusuíta homônima. Tendo posse do endereço e de um GPS, não foi difícil de encontrar o local, que fica junto a um colégio. Por se tratar do período de férias, tivemos que pedir autorização para o guarda que cuidava a entrada. A igreja, que fica no pátio do colégio, quase não pode ser vista da rua.


Após umas batidas na porta e uns minutos de espera, fomos atendidos por um simpático jesuíta já bastante idoso, que nos abriu as portas de uma pequena capela contígua à igreja. Aliás, fora as ruínas de Jesus e Trinidad, esta foi a única igreja paraguaia na qual eu entrei. Não encontrei nenhuma outra aberta fora dos horários de missa.


Logo atrás do altar, uma caixa de vidro guarda o relicário com o coração do santo. A sua esquerda está a machadinha utilizada para cometer o crime e três estátuas de madeiras representando os três mártires.





Ao lado, uma relação dos jesuítas martirizados na América do Sul.


Seguiu-se um momento de silêncio e reflexão. Diante de mim, o coração daquele cuja atuação divide a história da Região das Missões em antes e depois de sua vinda para cá, que mesmo sendo portador de uma mensagem de paz foi vítima da intolerância e da violência. Minha visita, além da curiosidade turística, era uma forma de agradecimento a São Roque Gonzales e seus irmão inacianos por tudo o que fizeram por nossa terra.

...

Ainda na capital paraguaia, comprei uma pequena estátua do Pe. Roque esculpida em madeira, onde ele segura um coração trespassado por uma flecha. Apesar da fragilidade da peça, ela chegou incólume ao meu destino final. Mas nenhuma surpresa nisso tudo: para aquele cujo coração suportou o fogo e o passar dos séculos, isso não é nada.

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