sábado, 29 de outubro de 2011

O que eu vou dizer para os meus filhos?

A cena se repetiu inúmeras vezes: ao final do dia, um grupo de jovens vestidos de branco trocava o prédio da faculdade por um apartamento nas proximidades, a clínica pelo Play Station, o famoso "motorzinho" pelos joysticks, o flúor pela cerveja, a busca por um sorriso perfeito pelo Winning Eleven.

Como éramos felizes! 

Uma vez por semana, as emocionantes disputas virtuais davam lugar a jogos de verdade. O campeonato estava chegando ao seu final e o nosso time vinha crescendo, com destaque para um jovem franzino e com os dentes completamente desalinhados, que raramente ficava um jogo sem deixar o seu. O cara era um monstro, fazia milagres com a bola nos pés e enchia toda a torcida de orgulho. Recordo-me bem de uma noite, quando extasiado tanto pelo golaço que o craque marcara quanto pela cerveja que bebera, levantei-me do sofá e exclamei:

- Vou poder dizer para os meus filhos que vi esse cara jogar!


Muito tempo se passou desde aquela noite e nem tudo foram sorrisos bonitos nestes onze anos. O jovem craque deixou seu clube de um modo bastante tumultuado e que ainda hoje suscita dúvidas. Mas uma coisa é certa: ele e quem o assessorava em todo o momento tiveram ciência de tudo e foram cruciais para este desfecho. Pouco importa se o que foi feito estava dentro da lei e da legitimidade. O jogador traiu a confiança da torcida, e aqui no interior a gente aprende que confiança é algo difícil de se conquistar mas muito fácil de se perder. Ele foi embora e de um modo que não deixou saudades. 

Por isso o meu espanto ao ver sua imagem junto à de outras revelações das categorias de base do clube durante a Convenção Consular de 2009, numa apresentação do projeto para o CT que está sendo construído. Não via seu rosto no estádio desde a final do estadual, nove anos atrás, e não podia acreditar que aquele semblante estava ali novamente. Na hora me dei por conta de que a direção do clube estava tentando se reaproximar de quem se afastara por vontade própria, fato que confirmei pela presença do irmão dele num jogo festivo. Para o meu alívio, a grande e barulhenta maioria da torcida também não queria que ele estivesse lá.

Mas o pior estava por vir: o clube admitiu tratativas para trazê-lo de volta. Mas como assim? E o passado do cara, não dizia nada? Como confiar em alguém como ele? E nem levava em conta o fato dele estar em fim de carreira, sem demonstrar um futebol convincente há muitas temporadas. Era uma questão de orgulho, de não abrir as portas a quem nos desprezou. Manifestei minha contrariedade, assim como muitos o fizeram. Mas para meu espanto, muitos queriam que ele voltasse...

Pois é... como confiar em alguém como ele? Tem um ditado (chinês, creio eu) que diz "se te enganam uma vez, a culpa é de quem te enganou; se te enganam pela segunda vez, a culpa é tua". Todos conheciam com quem estavam lidando. O resultado não me espantou nem um pouco. E fico feliz por isso.

Nesse seu "quase retorno" falou-se até na palavra perdão. Sentimento muito nobre, eu sei, mas mesmo Aquele que disse que devemos perdoar a quem nos tem ofendido nunca dissociou o perdão do arrependimento. E em nenhum momento esse jogador demonstrou estar arrependido pelo o que fez conosco.

Honestidade, caráter, sinceridade, lealdade, respeito... aprendi tudo isso com o meu pai e pretendo ensinar aos filhos que ainda não vieram. E se não posso mais me orgulhar da passagem desta pessoa pelo nosso time, ao menos ele servirá de exemplo de conduta que não quero que meus filhos tenham.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Ponto Final.

Ele pegou o livro, num misto de desconfiança e contragosto. Folheou-o rápida e aleatoriamente, parando na página 29, início do capítulo referente aos índios, tema que lhe é caro. Fixou-se nesta página e começou a lê-la. Caso tenha feito desde o primeiro parágrafo, o texto é este abaixo:

"Em 1646, os jesuítas que tentavam evangelizar os índios no Rio de Janeiro tinham um problema. As aldeias onde moravam com os nativos ficavam perto de engenhos que produziam vinhos e aguardente. Bêbados, os índios tiravam o sono dos padres. Numa carta de 25 de julho daquele ano, Francisco Carneiro, o reitor do colégio jesuíta, reclamou que o álcool provocava "ofensas a Deus, adultérios, doenças, brigas, ferimentos, mortes" e ainda fazia o pessoal faltar às missas. Para acabar com a indisciplina, os missionários decidiram mudar três aldeias para um lugar mais longe, de modo que não ficasse tão fácil passar ali no engenho e tomar umas. Não deu certo. Foi só os índios e os colonos ficarem sabendo da decisão para se revoltarem juntos. Botaram fogo nas choupanas dos padres, que imediatamente desistiram da mudança."

Mesmo percebendo sua aparente reprovação, resolvi provocar:

- Leve-o com o senhor, umas 3 ou 4 noites de pouco sono são suficientes para o ler.
- Não, obrigado - respondeu com a calma que lhe é peculiar - o que eu li já me basta para saber que isso não pode ser levado a sério.

A desaprovação do meu paciente somente reflete parte do sentimento causado pelo livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch. Afinal, a publicação trás algumas "verdades inconvenientes" sobre fatos e personagens da história do nosso país. Muitas pessoas não gostaram nem um pouco de saber (ou do fato de muitos finalmente descobrirem) que os índios brasileiros não eram assim tão cuidadosos com a natureza, que o líder negro Zumbi tinha escravos, que o Paraguai era um país muito pobre já antes da guerra, que os movimentos armados que lutaram contra o governo militar no Brasil não queriam a democracia mas sim uma ditadura ao gosto deles... enfim, coisas até bastante óbvias mas que sempre passaram batido nas aulas de história devida à elevada carga ideológica à qual os alunos são submetidos.

Apesar de fartamente embassado em referência documentadas, o autor deixa bem claro o intuito provocativo e até um pouco exagerado do livro, o que de maneira alguma arrefeceu os nervos de quem se ofendeu com o que leu.

Mas se por um lado o livro causou alvoroço e indignação, especialmente na patrulha ideológica, por outro lado ele mostrou que existe uma grande parcela da população sedenta por um posicionamento contrário, com uma visão distinta do coitadismo que coloca nos outros a culpa por todas as nossas mazelas.

Ps. terminei de ler este livro em outubro do ano passado e somente relatei aqui após ficar sabendo do lançamento de sua continuação, o Guia Politicamente Incorreto da América Latina.  Esta minha morosidade até que ajuda na minha tentativa de me livrar da imagem de "leitor voraz", de um "devorador de livros", imagem esta que por muito tempo eu mesmo alimentei. Sou uma pessoa normal, tá gente!, até meio preguiçoso com minhas leituras. Que fique bem claro.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

iGermano

Apesar de oficialmente ainda estarmos no inverno, aquele foi um dia com temperaturas bantante agradáveis. Eu estava num subúrbio de Bremen, na casa do responsável pelo intercâmbio que me levara à Alemanha, mas não me recordo o que eu fazia por lá. Além das condições climáticas, a única imagem que ainda trago daquele dia foi a do computador que o filho dele estava usando...

Era um Macintoch, parecido com este abaixo:


Foi um momento mágico para mim. Naqueles últimos anos do século passado, informática somente era do interesse de loucos ou nerds (eu me enquadrava mais no segundo grupo) e o modo mais acessível de se ter um computador era comprando um montado com peças feitas em Taiwan, via Paraguai (parece irreal, mas essas coisas ainda não vinham da China continental). E não era barato, exceto se comparado com os computadores comprados legalmente no Brasil.
E se já éramos um grupo restrito havia um mais seleto ainda, formado por aqueles que usavam Macintoch. Era quase como se fossem uma sociedade secreta, pois ninguém nunca tinha visto um ao vivo, quando muito apenas ouvido falar de alguém que tinha uma dessas máquinas em casa, que tinha trazido dos EUA ou gasto uma fortuna comprando aqui. Dizia-se que menosprezavam os PCs com seus DOS e Windows, que quem usava uma máquina da Apple nunca mais iria querer outra, que os computadores deles eram muitos melhores, mais fáceis de usar, mais simples...

Eu nunca achei DOS/Windows complicados demais para o que eu exigia deles, até pensava que toda essa mística em torno daquelas máquinas tinha muito de exagero, mas mesmo assim fiquei estupefato diante daquele computador. Era como estar diante de uma Ferrari. Um objeto desejado, cultuado, inalcansável aí na minha frente. Meus anfitriões devem ter percebido o meu nada discreto olhar de admiração. Lembro-me de que tentei perguntar qual era o sistema operacional usado, mas o cara não entendeu e apenas me mostrou um programa qualquer (naquela época se dizia "programa" e não "aplicativo"). 

Foi uma experiência breve mas marcante. Apesar de ver apenas uma interface gráfica diferente daquelas às quais eu estava acostumado, sabia estar diante de algo extraordinário.

O tempo passou e a Appel se reinventou. Sob a batuta do agora finado Steve Jobs lançou um monte iProdutos que deixaram a marca acessível ao público mas sem perder a magia que a envolve e que a tornou uma referência na área. Não sou um applemaníaco, tenho apenas um iPad e gosto muito mais do conceito tablet (que considero a maior invenção tecnológica dos últimos tempos) do que do iPad em si, mas não vou citar minhas restrições à marca neste momento por respeito a Steve Jobs. Afinal este texto é, a sua maneira, uma homenagem a este gênio.
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